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'Foundations of a theory of bibliography': desinventando a Ciência da Informação

O exercício de retorno ao conceito de bibliografia não é e não pode ser a mera visita ao marco sócio histórico de aparecimento do termo e de sua manipulação teórica local e contextual. Uma epistemologia histórica há que demonstrar, com os riscos da atemporalidade filosófica, que tal conceito está carregado de uma potência e de uma atualidade que devem permanentemente ser lembradas e, fundamentalmente, discutidas.

Retirar, em regime temporário, o caráter social do conceito, é simplesmente devolvê-lo ao socializante: a bibliografia se estabelece como uma ciência desde o século XVIII, como aponta Peter Burke (2003), e sua pele em caracteres e silêncios brancos, ou seja, seu significante, é, a partir daí, encoberto por uma névoa de conceituações e hierarquizações que escondem o termo, maculam a noção e implodem o conceito, sem nunca deixar de revelar sua onipresença.

O processo de “velamento” da Bibliografia pode ser visto, pela primeira vez, pontualmente, em Gabriel Peignot (1802a,b), que submete o termo ao conceito geral de Bibliologia, lançando, deste modo, uma visão hierárquica que determina que a última se apresenta como “a ciência” e ela, a Bibliografia, responde por uma teoria geral do pensamento bibliológico.

O movimento epistemológico peignotiano é precisamente o mesmo realizado por Paul Otlet (1934), mais de cem anos depois. O projeto de Otlet e Henri La Fontaine nasce, cresce e se estabelece sob a noção de bibliografia, mas perece sob o termo documentação. Em outras palavras, o Instituto Internacional de Paul Otlet “é de Bibliografia” e assim sistematiza um dos mais ousados projetos mundiais de organização de continentes e de conteúdo. Além do Instituto, seu principal projeto, é também “de bibliografia”: o Repertório Bibliográfico Universal responde por uma missão mundial focada na bibliografia estatística, que poderia servir como base para uma bibliografia textual.

A geração posterior que se constituirá sob o conceito de bibliografia no pensamento francês, a geração de Robert Estivals, também partirá do mesmo pressuposto: a Bibliologia é tomada como ciência, enquanto os termos orientados para as aplicações do pensamento bibliológico receberão a noção de bibliografia e seus desdobramentos predicativos, como classificação bibliográfica e lista bibliográfica.

Tais ocorrências “canônicas” do uso de termo bibliografia repercutem nas mais variadas direções. Importando-nos aqui a construção epistemológica da noção para compreender as potências presentes no conceito, recorremos àquele que se apresenta com o um dos sintomas de manifestação mais fundamentais: quando Jesse Shera e Margaret Egan, em 1952, propõem uma construção social do campo biblioteconômico nos Estados Unidos, é sob o conceito de bibliografia que estabelecem sua argumentação.

Deste modo, não é sob a rubrica da Library Science, macro-denominação, que se consolida uma visão de mundo da revolucionária “epistemologia social”, mas sob uma certa Bibliography. Em Foundations of a theory of bibliography apresenta-se uma crítica cognitivo-social ao pensamento biblioteconômico, mas ao mesmo tempo, simbólico-material, que antecipa uma série de discussões futuras, principalmente dos anos 1990, sob o caráter social dos estudos informacionais.

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