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O documento existe?

De um modo geral, reconhecida a consciência pragmatista como modelo de pensamento, aceita a pragmática como filosofia e como operação, temos potencialmente duas conclusões imediatas:

 O documento não existe;  A representação não é lógica nem socialmente possível, o que nos faz determinar a impossibilidade da informação.

O que perceberemos é que, se reconhecidos e temporariamente compartilhados os preceitos do pragmatismo fundado no “neodocumentalismo”, principalmente aqueles que postulam a linguagem como pêndulo onde oscila o mundo – isto é, o que nós, “seres de linguagem” (ordinária, primeiramente), chamamos “mundo” –, perceberemos a vigência de uma ilusão nos estudos da informação em torno do conceito de documento e da ideia de representação. Pensemos, por exemplo, na “biblioteca” de Ranganathan (1931) ou na “escritura” de Estivals (1981): elas não existem em si, não “são” antes de serem apreendidas pelo leitor.

A retomada do posicionamento de Paul Otlet (1934) e de Suzanne Briet (1951) por autores como Ronald Day (2001) e por Bernd Frohmann (2009) nos parece singular para pensar a questão da pragmática no âmbito da CI exatamente porque estão em jogo aqui as noções de documento e de representação em um de seus mais amplos espaços de discussão. Fundamentalmente, estes autores nos fazem perguntar: é o “neodocumentalismo documentalismo”? É o “documentalismo um bibliologismo”?

Assim como Capurro (2003) havia feito com a noção de “informação” dentro da CI, Frohmann (2009) propõe (ou verifica as possibilidades de fazê-lo) a construção de uma “documentação” e do “documento” sem a pergunta pela sua definição. O autor chama de motivações filosóficas, a saber: um ponto de vista instrumental, que facilitará o cotidiano de trabalho; um ponto de vista filosófico tradicional, devotado à definição a partir das características significativas da coisa; um ponto de vista de uma filosofia fundamentalista da linguagem, estruturada na noção de sentido como baseada no uso. De certo modo, Frohmann (2009) tenta escapar do que chama de “ortodoxia wittgensteiniana”, baseando-se em Hilary Putnam, trabalhando com a noção que estabelece os usos das palavras sem apoio de pontos de vista fundamentalistas sobre a linguagem.

A crítica frohmanniana aos seguidores ortodoxos de Wittgenstein (1979) está na sustentação de que os critérios nos oferecem as justificativas para aplicação das palavras no mundo. Deste modo, os critérios devem “já estar”, para afirmarmos que algo é algo, ou seja, para definirmos este algo. Nesta perspectiva, nunca fazemos julgamentos sem critérios. Para Frohmann (2009), revisões do pensamento de Wittgenstein (1979), como aquela de Putnam – O legado de Wittgenstein: pragmatismo ou desconstrução –, trazem à tona as críticas da posição ortodoxa em relação à justificação. Em outras palavras, a justificação nem sempre faz sentido – há casos em que, no exemplo wittgensteiniano, não faria sentido chamar um cachorro de animal.

O que Frohmann (2009) está atentando contra Wittgenstein (1979) é que nem sempre critérios, regras e definições podem ser executados para fins particulares, que nós em geral não somos obrigados a fornecê-los, que não há ambiguidade generalizada na linguagem que venha a ameaçar o pensamento e a comunicação. Sua procura está na possibilidade de pensar documento/Documentação sem regras, sem definições – pensar o conceito de documento sem a pergunta “o que é documento”. Temos aqui o confronto e a conciliação entre uma filosofia do documento e uma filosofia da informação.

Algumas fontes

BRIET, S. Qu'est-ce que la documentation? Paris: Éditions Documentaires Industrielles et Técnicas, 1951. BUCKLAND, M. Information as thing. Journal of the American Society of Information Science, v. 42, n. 5, p. 351-360, jun. 1991. CAPURRO, R.; HJORLAND, B. The concept of information. Annual Review of Information Science and Technology, v. 37, p. 343-411, 2003. ESTIVALS, R. A dialética contraditória e complementar do escrito e do documento. R. Esc. Bibliotecon. UFMG, Belo Horizonte, v. 10, n. 2, p. 121-152, set. 1981. FOUCAULT, M. et. al. Estruturalismo e teoria da linguagem. Petrópolis: Vozes, 1971. FROHMANN, B. Documentation redux: prolegomenon to (another) philosophy of information. Library Trends, v. 52, n. 3, p. 387-407, win. 2004. FROHMANN, B. Revisiting “what is a document?” Journal of documentation, v. 65, n. 2, p. 291-303, 2009. FROHMANN, B. Reference, representation, and the materiality of documents. In: Colóquio científico internacional da Rede MUSSI Mediações e hibridações: construção social dos saberes e da informação. Anais... 2011. Toulouse: Université de Toulouse 3, 2011. JACOB, C. Prefácio. In: BARATIN, M.; JACOB, C. O poder das bibliotecas: a memória dos livros no Ocidente. Rio de Janeiro: ed. UFRJ, 2008. p. 9-17. LUND, N.W. Document Theory. ARIST, v. 43, n.1, p. 1-55, 2009. LUND, N.W. Document, text and medium: concepts, theories and disciplines. Journal of Documentation, v. 66, n. 5, p. 734-749, 2010. OTLET, P. Traité de documenatation: le livre sur le livre: théorie et pratique. Bruxelas: Editiones Mundaneum, 1934. RANGANATHAN, S.R. As cinco leis da Biblioteconomia. Brasília: Briquet de Lemos, 2009.

SALDANHA, G. O fabuloso antílope de Suzanne Briet: a análise e a crítica da análise neodocumentalista. In: XIII ENANCIB - Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação, 2012, Rio de Janeiro. Anais do XIII ENANCIB - Encontro Nacional de Pesquisa em Ciência da Informação. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2012. v. 1. WITTGENSTEIN, L. O livro azul. Lisboa: Ed.70, 1992. WITTGENSTEIN, L. Investigações Filosóficas. 2o ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979.

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